Presidente do Confea escreve sobre vazamento de barragem e critica momento da engenharia no Brasil: maltratada, desvalorizada e abandonada
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O Presidente do Conselho Federal de Engenharia e Agronomia, Joel Krüger, se manifestou a respeito da tragédia com o rompimento da barragem do Córrego do Feijão, em Brumadinho-MG. Através de artigo, ele afirma que os problemas vão muito além da falta de uma fiscalização mais efetiva e faz duras criticas à forma como as áreas da engenharia são tratadas no Brasil.
Confira o artigo na íntegra:
Engenharia, a espinha dorsal para o desenvolvimento humano
Reconhecida mundialmente pela sua qualidade e eficiência, a engenharia brasileira vem sendo atingida por episódios que mostram que é necessário repensar urgentemente o modelo vigente. O último deles – o rompimento da barragem da mineradora Vale, em Brumadinho (MG) – a cada instante causa comoção a milhares de famílias direta ou indiretamente ligadas ao trágico acontecimento. Até o momento, centenas de mortes, desaparecidos e a certeza de mais um desastre ambiental de grandes proporções.
A nova tragédia ocorre apenas três anos após o rompimento da barragem de Mariana-MG, que matou 19 pessoas e provocou um mar de destruição ambiental que avançou sobre a bacia do rio Doce, até chegar ao litoral do Espírito Santo. Enquanto todos nós acompanhamos apreensivos os resgates e notícias acerca dos desaparecidos de Brumadinho-MG, fala-se em falta de fiscalização, quando o cerne da questão é muito maior. É preciso que a engenharia nacional volte a ser pensada sobre os quatro pilares fundamentais: planejamento, projeto, execução e manutenção, como uma ciência capaz de promover o progresso e o bem-estar da humanidade.
Os episódios retrataram o momento de desmanche pelo qual atravessa a engenharia brasileira. Fruto do descaso de sucessivos governos que insistem em tratá-la como serviço comum, como se fosse possível realizar obras dessa natureza observando apenas o menor preço. Ao contrário do comum, os serviços de engenharia exigem conhecimento especializado, justamente “por serem caracterizadas pelas realizações de interesse social e humano”, conforme expressa a Lei 5.194/1966, que até hoje regula o exercício das profissões de engenheiro.
Desde os anos de 1980, a engenharia brasileira vem se transformando em suco. Maltratada, desvalorizada e abandonada. Formados em excelentes escolas, muitos profissionais migraram para outros mercados, como o financeiro, onde os ganhos pecuniários são muito superiores aos pagos nas carreiras de engenharia, seja na iniciativa privada ou no serviço público.
Nos últimos anos, o Ministério da Educação autorizou a formação indiscriminada de profissionais, formando engenheiros à distância, contrariando opiniões de diversos setores da sociedade, como o próprio Conselho Federal de Engenharia e Agronomia (Confea) que vem se manifestando sistematicamente contrário ao ensino 100 por cento à distância de profissionais da engenharia e da agronomia. Temos, então, uma enxurrada de profissionais colocados no mercado de trabalho aumentando a oferta e, por consequência, rebaixando os salários. Desvalorizados, os profissionais vão em busca de outras carreiras.
A contratação de obras e serviços de engenharia pelo poder público é outro exemplo da falta de respeito da profissão. Licitações por meio de pregão eletrônico, onde o que realmente importa é o menor preço, são realizadas por todo o país. Governos estaduais e municipais realizam concursos públicos oferecendo salários muito abaixo do que um profissional da área merece.
Outro ponto em que temos nos posicionado de forma intensa é referente ao Projeto de Lei da Câmara (PLC) 13/2013 – que institui a carreira de Estado para profissionais vinculados SERVIÇO PÚBLICO FEDERAL CONSELHO FEDERAL DE ENGENHARIA E AGRONOMIA – CONFEA ao Sistema Confea/Crea e que ocupam cargo efetivo nos serviços públicos federal, estadual e municipal. Desde 2013, o Confea, os Creas e entidades vinculadas ao nosso sistema profissional lutam pela aprovação da medida. Não é uma luta corporativa, pois sabemos que a aprovação do projeto trará melhores condições de desenvolvimento e atendimento à população pelas administrações públicas.
Preocupa-nos ainda o desmantelamento dos quadros de engenharia no serviço público. Empresas de altíssima importância para a sociedade brasileira como Embrapa, DNIT, Companhia de Pesquisa de Recursos Minerais e Ibama sofrem com a falta de quadros técnicos. Funcionários se aposentam e não são repostos na medida necessária. O resultado é a dificuldade em fiscalizar com eficiência e rapidez, sendo que Agência Nacional de Mineração tem apenas 35 fiscais para atuar nas 790 barragens de rejeitos de minérios.
Estaremos atentos à apuração dos fatos referentes à tragédia de Brumadinho. O Confea e o Crea-MG estão fornecendo todo o apoio para identificar as causas e posteriormente apurar as responsabilidades. Mas lembramos que é muito importante que não ajamos de forma precipitada e leviana e, sim, que se apurem as causas reais dessa lamentável tragédia. Apenas após a apuração e o direito à ampla defesa e ao contraditório dos envolvidos, o Crea e posteriormente o Confea pode aplicar as penalidades previstas.
Para reverter todo esse quadro é preciso que a engenhara nacional volte a ser pensada sobre os quatro pilares fundamentais: planejamento, projeto, execução e manutenção. Não existe engenharia sem essas fases, que estão diretamente interligadas. Não se faz engenharia sem planejamento prévio, sem os diversos projetos, do básico ao executivo, sem uma execução minuciosa e, claro, sem a devida manutenção preventiva.
A engenharia brasileira é enorme. Ela foi responsável ao longo dos anos por obras que são referências em todo o mundo, como por exemplo, a construção de Brasília, da Ponte Rio/Niterói e da Usina Hidrelétrica de Itaipu, apenas para citar três grandes momentos. Portanto, ela precisa ser valorizada e tratada com o respeito que merece e que a sociedade brasileira exige.
Joel Krüger é engenheiro civil, professor universitário e presidente do Conselho Federal de Engenharia e Agronomia (Confea).